O PRAZER DO ESTRESSE
Uma das coisas contra a qual eu mais lutei foi chegar quase
sempre atrasada nos compromissos, ou seja, a dificuldade em cumprir horários.
Em casa somos três mulheres multifuncionais. Sou mãe,
esposa, filha, amiga, dona-de-casa, professora, fonoaudióloga, empreendedora
etc etc. Minhas filhas estudam numa escola técnica, fazem curso de inglês,
psicoterapia, são baladeiras, frequentadoras de academia, etc etc.
Enfim, nossa vida é uma correria para atendermos aos vários
compromissos em diferentes lugares. E o que acontece? Estamos sempre atrasadas.
Costumo dizer que isso acontece porque temos tendência de procrastinar, ou
seja, de adiar tudo sempre!
Um dia, afobada, colocando os materiais na bolsa, perguntei
a M.:
- Por que todos os dias nos atrasamos e vivemos nessa
correria?
- Porque a gente
gosta, mãe. É mais emocionante assim!
A partir daí, pus-me a pensar sobre esse “gostar” e essa
“emoção” de lutar contra o tempo, de brincar de controlar o tempo como se eu
fosse o deus Cronos. Inúmeras vezes acreditei que seria capaz de fazer em 6
minutos um percurso que leva, no mínimo, 15 minutos! Eu teria que ser
teletransportada para conseguir essa façanha.
Num desses cursos de Educação à Distância sobre
administração do tempo li que a ideia de trabalharmos muito melhor sob
pressão é um mito criado para
racionalizar a preguiça e a tendência à procrastinação. Huumm, a procrastinação
é uma das características do TDAH... Diz o texto que aquele que administra o
tempo não vive numa corrida incessante contra o tempo e geralmente produz muito
mais, aproveita muito mais o tempo. Mas o que acontece com quem “gosta” da viver
sempre atrasado, correndo contra o tempo?
Visitei a Filosofia e encontrei nas palavras da psicanalista
e escritora Maria Rita Khell que o uso do tempo está submetido às
transformações culturais, às diferenças históricas. O uso cotidiano do
tempo pode ser muito desorganizado, mas
desde a Revolução Industrial, o tempo passou a ser marcado pelo relógio, ou
seja, o tempo do trabalho. Desde então, o tempo humano nunca esteve
inteiramente à disposição dos indivíduos. E Khell vai tornando mais complexa a
reflexão inesgotável sobre o tempo...
Resolvi recorrer à Neurociência para entender melhor esse
assunto. Lendo o livro Sexo, drogas,
rock’n’roll... e chocolate: o cérebro e os prazeres da vida cotidiana, da
neurocientista Suzana Herculano-Houzel, descobri que minhas filhas, eu e todos
os que curtem essa pressa sentimos que lutar e até mesmo negar a passagem do
tempo nos provoca a euforia, efeito
da produção de cortisol – hormônio do estresse. Escreve Herculano-Houzel: “Pode
parecer um contrassenso o cérebro gostar de experiências estressantes, mas a
euforia pós-estresse tem sua função (...) O estresse voluntário e previsível, por sinal,
é o que tem maior chance de causar prazer.” (p. 23)
Para a autora, a sensação de estresse voluntário, e
passageira, nos deixa como recompensa a prazerosa sensação de ter vencido uma
batalha, pois o estresse só ocorre naquilo que não podemos controlar, mas
desejamos controlar. Assim como a passagem inexorável do tempo... Maravilhoso esse encontro da Filosofia com a
Neurociência.
Arnete de Almeida Faria
Fonoaudióloga - RJ