terça-feira, 30 de abril de 2013



O PRAZER DO ESTRESSE          

Uma das coisas contra a qual eu mais lutei foi chegar quase sempre atrasada nos compromissos, ou seja, a dificuldade em cumprir horários.

Em casa somos três mulheres multifuncionais. Sou mãe, esposa, filha, amiga, dona-de-casa, professora, fonoaudióloga, empreendedora etc etc. Minhas filhas estudam numa escola técnica, fazem curso de inglês, psicoterapia, são baladeiras, frequentadoras de academia, etc etc.

Enfim, nossa vida é uma correria para atendermos aos vários compromissos em diferentes lugares. E o que acontece? Estamos sempre atrasadas. Costumo dizer que isso acontece porque temos tendência de procrastinar, ou seja, de adiar tudo sempre!

Um dia, afobada, colocando os materiais na bolsa, perguntei a M.:
- Por que todos os dias nos atrasamos e vivemos nessa correria?
-  Porque a gente gosta, mãe. É mais emocionante assim!
A partir daí, pus-me a pensar sobre esse “gostar” e essa “emoção” de lutar contra o tempo, de brincar de controlar o tempo como se eu fosse o deus Cronos. Inúmeras vezes acreditei que seria capaz de fazer em 6 minutos um percurso que leva, no mínimo, 15 minutos! Eu teria que ser teletransportada para conseguir essa façanha.

Num desses cursos de Educação à Distância sobre administração do tempo li que a ideia de trabalharmos muito melhor sob pressão  é um mito criado para racionalizar a preguiça e a tendência à procrastinação. Huumm, a procrastinação é uma das características do TDAH... Diz o texto que aquele que administra o tempo não vive numa corrida incessante contra o tempo e geralmente produz muito mais, aproveita muito mais o tempo. Mas o que acontece com quem “gosta” da viver sempre atrasado, correndo contra o tempo?

Visitei a Filosofia e encontrei nas palavras da psicanalista e escritora Maria Rita Khell que o uso do tempo está submetido às transformações culturais, às diferenças históricas. O uso cotidiano do tempo  pode ser muito desorganizado, mas desde a Revolução Industrial, o tempo passou a ser marcado pelo relógio, ou seja, o tempo do trabalho. Desde então, o tempo humano nunca esteve inteiramente à disposição dos indivíduos. E Khell vai tornando mais complexa a reflexão inesgotável sobre o tempo...

Resolvi recorrer à Neurociência para entender melhor esse assunto. Lendo o livro Sexo, drogas, rock’n’roll... e chocolate: o cérebro e os prazeres da vida cotidiana, da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, descobri que minhas filhas, eu e todos os que curtem essa pressa sentimos que lutar e até mesmo negar a passagem do tempo nos provoca a euforia, efeito da produção de cortisol – hormônio do estresse. Escreve Herculano-Houzel: “Pode parecer um contrassenso o cérebro gostar de experiências estressantes, mas a euforia pós-estresse tem sua função (...)  O estresse voluntário e previsível, por sinal, é o que tem maior chance de causar prazer.” (p. 23)
Para a autora, a sensação de estresse voluntário, e passageira, nos deixa como recompensa a prazerosa sensação de ter vencido uma batalha, pois o estresse só ocorre naquilo que não podemos controlar, mas desejamos controlar. Assim como a passagem inexorável do tempo...  Maravilhoso esse encontro da Filosofia com a Neurociência.

Arnete de Almeida Faria
Fonoaudióloga - RJ