sábado, 17 de novembro de 2012



Quem não se comunica, se trumbica!!

A  Arte da Conversação

- Parte 2 -

São muitos os estudos nas mais diversas áreas do saber que tratam da importância da comunicação humana, a mais complexa entre os seres vivos.

A conversação é uma atividade colaborativa, uma forma de interação social e cognitiva com objetivos e finalidades a serem alcançados. Por isso, a conversação é argumentativa, pois pela conversa pretendemos:

        -  atuar sobre o outro,
        -  convencer o outro,
        -  construir e transmitir conhecimento,
        -  modificar o comportamento do outro.

Para interagirmos por meio da conversação, é preciso que tenhamos alguns elementos em comum:  a língua, a cultura, o interesse, o contexto, entre outros. Dissemos acima que a conversação é uma atividade social e cognitiva, de aí a importância da compatibilidade de alguns mecanismos como a percepção, a atenção e a memória.

Imaginem que marquei um almoço para conversar com alguém. Falamos a mesma língua, o português, e temos um assunto do nosso interesse para discutir. Até aí, tudo bem.  Escolhemos a mesa, nos sentamos, pedimos água mineral e começamos a nossa tão esperada conversa. No início tudo vai muito bem, porém, com o desenvolver do tema, observo uma confusão de ideias, meu interlocutor parece ter dificuldade de controlar o próprio corpo na cadeira, levanta-se várias vezes para fazer algo importante, mexe no celular constantemente, muda de assunto sem me avisar,com frequência  chama o garçom para fazer perguntas, enfim, tenho a sensação de estar vivendo um caos!  Tudo o que planejei para aquele almoço com aquela pessoa vai por água abaixo. Muito se falou, mas nada se disse. Resultado: uma tremenda frustração!

Ora, conversar com alguém que não controla bem sua atenção - e consequentemente sua memória-, é impulsivo e tem dificuldade de manter-se parado na cadeira nos dá a sensação de ter entrado numa guerra sem ter sido avisado, não é mesmo?

Quem convive com pessoas com TDAH sente-se sempre como um desavisado numa guerra. Desse modo, é importante aprendermos que a arte da conversação tem algumas regras que devem ser cumpridas. A seguir apresentamos sugestões para hábitos positivos de comunicação pela conversação:


1º) Respeite os turnos de fala. Em nossa sociedade é muito comum todo mundo falar ao mesmo tempo, porém, quando um dos falantes tem TDAH esse desrespeito é muito mais intenso, causando um colapso na comunicação. Devemos nos lembrar de que no TDAH a impulsividade sempre se impõe nas relações sociais, fazendo com que a pessoa opine ou responda perguntas antes de elas serem concluídas, interrompendo frequentemente os outros por não conseguir aguardar sua vez de falar. Procure modular com: “Espere sua vez”, “Ainda não terminei de falar”. Alterne com pequenos sinais combinados, tais como tocar-lhe levemente o braço ou fazer o sinal de “Pare!”.


2º) Contato visual sempre! Dê o exemplo e esteja inteiro em tudo o que você faz. Ofereça toda sua atenção à pessoa com quem você conversa: distrair-se ofende o interlocutor. Intercale sua fala com perguntas sobre o que você disse ao seu interlocutor com TDAH, assim você poderá comprovar se ele entendeu a importância de estar focado.

3º) Não seja imediatamente reativo ao ser atacado: ouça cuidadosamente, avalie o que você ouviu e, então, discorde calmamente, usando bons argumentos. E se você não encontrar argumentos bons o suficiente, expresse seu sentimento e informe que em outra ocasião você voltará a conversar sobre o assunto. Não permita o surgimento do famoso “bate-boca”, que será estimulado pela pessoa com TDAH!

4º) Não tente adivinhar o que o outro pensa. Nesse caso, as atividades de adivinhação sempre são fracassadas. Então, pergunte!

5º) Sempre comece a conversa de um modo amistoso. Não critique o tempo todo, comece apontando os aspectos positivos para depois apontar os negativos. Não se prenda a todos os erros, pois ninguém é perfeito; ignore os pequenos defeitos. Mantenha o foco na questão que é realmente imprescindível discutir.

6º) Discuta um assunto de cada vez e não permita o desvio do tema da conversa. Uma vez decidido o assunto a ser discutido, lute para levá-lo até o fim, pois só assim se poderá conseguir algum benefício. Isso é especialmente importante para a pessoa com TDAH que frequentemente tem dificuldade para se concentrar. Uma boa dica é variar a modulação da voz e o gestual do corpo, ser objetivo, direto e breve na fala, usando frases mais curtas. Se você se prolongar muito numa conversa - tipo sermão - saiba que já na quinta palavra seu interlocutor não o estará mais escutando.

7º) Observe o momento adequado para finalizar a conversa ou para mudar o assunto. Para isso, dê pistas: “mudando de assunto..., e por falar nisso..., antes que eu me esqueça...” Não permita saltos de um assunto a outro fazendo da conversa uma salada mista! A pessoa com TDAH adora essa confusão porque ela tende a falar muito e assim ela foge do esforço intelectual de manter-se no mesmo assunto.

8º) Mantenha a mente aberta para diferentes pontos de vista e não tire conclusões precipitadas. Por mais confuso que pareça o discurso de uma pessoa com TDAH, esteja certo que sempre surgem ideias e perspectivas muito interessantes, com muito potencial de  contribuição.

9º) Reconheça as próprias falhas nas suas ações e na sua argumentação. Não seja o dono da verdade nem o Sr.  Perfeição. Em geral, a pessoa com TDAH tem sua autoestima baixa, por isso quanto mais nos colocamos como perfeitos e superiores, mais distante ela se sentirá do ideal.

10º) Questione e discuta a ação (o problema), não o sujeito (o autor)





Arnete de Almeida Faria
Fonoaudióloga
Rio de Janeiro



A reprodução deste texto é permitida com a condição de que a fonte seja citada.

quinta-feira, 3 de maio de 2012




Quem não se comunica se trumbica!
                                A comunicação em famílias com TDAH.

- Parte 1 -

 Durante muitos anos, os sintomas do TDAH foram considerados como pertencentes a uma fase do desenvolvimento da criança. Impulsividade, extrema agitação, pouca tolerância à frustração, desatenção, impaciência, desobediência eram vistos como transitórios e passariam na adolescência, porém, com o tempo, muitas famílias foram se dando conta de que tais sintomas persistiam. 
Em geral, essas crianças e adolescentes  apresentam grande dificuldade de frear e inibir seus impulsos,  assim, exigem muita atenção e energia dos pais, podendo provocar o esgotamento físico e mental daqueles que as cercam. Muitos pais experimentam um estresse e uma ansiedade constantes, o que os afastam de uma boa avaliação sobre sua própria conduta e a de seu filho. Não raro, vemos mães irritadas ao extremo, algumas vezes certas do seu descontrole sobre o filho e, consequentemente, tomadas pela frustração e o sentimento de impotência, pois por mais que elas  apliquem medidas disciplinares aprendidas durante toda sua vida, e a das de outras mães, nada surte efeito com o filho. Somem-se a esse quadro as frequentes reclamações feitas pela escola em razão do mau comportamento da criança e/ou o baixo rendimento escolar.

Não há pai nem mãe que aguentem tal pressão!!

ALTERAÇÕES ASSOCIADAS AO TDAH

Então, o que fazer, neste caso?
Não há resposta definitiva ou única para essa pergunta, porém, cabe lembrar a complexidade de diagnosticar e tratar o TDAH não somente pelos sintomas primários de desatenção ou hiperatividade, mas, sobretudo, pela  alta frequência de comorbidades psiquiátricas  apresentadas pelos pacientes.[i]

E o que são essas tais comorbidades? São outros transtornos psiquiátricos associados ao TDAH. Estudos clínicos sobre o TDAH indicam que entre 50% a 80% dos casos apresentam alguma comorbidade, sendo a mais frequente o Transtorno Desafiador Opositivo (TDO) que se caracteriza por um persistente comportamento negativista, hostil, desafiador, desobediente observado em crianças de idade escolar, principalmente nas interações com  adultos e figuras de autoridade.  

É importante lembrar que quando é temporário, o comportamento opositivo faz parte do desenvolvimento normal da criança e até aumenta na adolescência. O processo de adolescer (entrar na fase da adolescência) é marcado pela finalização da fase infantil e pela busca da conquista da independência e da autonomia, ficando muitos dos valores da família excluídos do processo. Nesse momento, o jovem fica mais confuso com os novos papéis que lhe imputam e rebelde diante das figuras de autoridade, ele questiona e contesta as regras e os limites em busca da própria identidade, e a comunicação entre os pais e filhos pode ficar bem difícil.
No entanto, com o tempo, essa rebeldia típica da idade passa e é esse dado que diferencia a crise da adolescência  do Transtorno Desafiador Opositivo, que é persistente, causa prejuízos importantes na vida escolar, social e familiar, e deve ser diagnosticado por médico.   


FORMAS DE COMUNICAÇÃO EM FAMÍLIA

Estudos afirmam que há três formas de comunicação parental:

1)      Comunicação aberta, onde todos se sentem à vontade para manifestar seus sentimentos e questionamentos, visando ao compartilhamento e orientação de conduta;

2)      Comunicação superficial, onde  os jovens não confiam na receptividade dos pais que se mostram resistentes à chegada da adolescência de seus filhos. Esses pais constantemente exigem provas da responsabilidade do filho, porém, não estão abertos a um diálogo sincero de modo a orientar o jovem em suas demandas e aceitar suas limitações;

3)      Comunicação fechada que é marcada pelo peso da autoridade e a ameaça dos pais.


Nas duas últimas formas de comunicação, predominam os assuntos cotidianos sem espaço para os sentimentos dos jovens. Deve-se acrescentar que pesquisas indicam que a dificuldade de comunicação é bem  maior com os filhos do que com as filhas.

Todas essas informações são importantes e compreensíveis quando usamos a lógica racional, entretanto, no cotidiano familiar e emocional elas desaparecem e dão lugar a um relacionamento estressante em decorrência de uma comunicação problemática, marcada por irritação, gritos, afrontas, castigos, ameaças.


O QUE FAZER?


Creio que a primeira medida é considerar a possibilidade de que os tradicionais padrões de comportamento e as clássicas medidas disciplinares podem não funcionar com seu filho. Pessoas com o diagnóstico de TDAH, em geral, se sentem muito estimuladas num ambiente de confrontos e conflitos, incentivando as discussões acaloradas, os enfrentamentos violentos, os gritos, podendo chegar até à violência física. Assim, é fundamental que os pais façam uma sincera avaliação de seus padrões e modelos de comportamento e se abram para novas reflexões e alternativas, lembrando-se sempre de entender as características do filho e jamais compará-lo com os outros.

No relacionamento familiar, penso que o principal é:

Ø  Conhecer honestamente seu filho;
      Ø  Não esperar dele o que ele não pode oferecer por causa dos sintomas principais do TDAH;
      Ø  Ouvi-lo sempre com muita atenção;
      Ø  Proporcionar ocasiões nas quais ele se exponha sem medo;
      Ø  Ter sensibilidade para perceber o momento adequado para que ele converse com você;
      Ø  Não repreendê-lo impulsivamente quando ele relata alguma debilidade ou conta algo inesperado;
      Ø  Criar um clima de confiança e apoio;  
      Ø  Respeitar os momentos de silêncio do seu filho.

 Podemos pensar que nossos filhos nos contam tudo, mas temos que saber que não o fazem, pois eles buscam preservar a própria intimidade, o que faz parte do processo de independização. 


A ARTE DA NEGOCIAÇÃO

Com respeito à comunicação, um dos recursos que oferece melhor resultado é a negociação, que ajuda a criança a ter responsabilidades e entender que o mundo funciona à base de trocas. A negociação possibilita à criança abandonar sua posição infantil em que recebe imediatamente tudo o que deseja, e a preparar-se para tolerar as frustrações tão comuns no mundo adulto. Nesse momento, a criança começa a dar valor e a ter necessidade de corresponder aos benefícios dados pelos pais e pela sociedade.

No entanto, negociar não é tarefa fácil!! Principalmente em família, quando todos estão habituados a uma linguagem de gritos, ameaças e castigos fica mais trabalhoso promover uma mudança, mas não é impossível.

No próximo texto, escreverei sobre a Arte da Negociação, oferecendo orientações que podem ajudar a melhorar o relacionamento com seu filho.

Aguardem!

Arnete de Almeida Faria
Fonoaudióloga
Rio de Janeiro



A reprodução deste texto é permitida com a condição de que a fonte seja citada.




[i] Dificuldades no diagnóstico de TDAH em crianças. Isabella G. S. de Souza, Maria Antônia Serra-Pinheiro, Didia Fortes, Camilla Pinna. J. Bras. Psiquiatr. 56, supl 1; 14-18, 2007